Nesse episódio, vamos celebrar a vida e obra de “Renato Russo” e continuarmos a saga de uma das maiores bandas do rock nacional… “Legião Urbana”.

Download
Formato: MP3/ZIP Tamanho: 60,9 MB

 

Na nossa primeira interação com o Legião, que foi no episódio 18 da segunda temporada, falamos sobre o surgimento da Legião Urbana, sobre Brasília e sobre a consolidação da cena que é o ponta pé inicial para o Rock deixar de ser nicho no Brasil. A música tema promovida foi País Filhos um clássico da Legião e que representa muito bem a época das Quatro Estações. Renato Russo, apesar de genial, era um cara hiper confuso e com sérios problemas de pessoais… Com respeito e sem ser vago, vamos retomar essa história de onde paramos.

Em 1994, Renato Russo passava por um momento de sobriedade e, ao vivo no “Programa Livre”, do SBT, dava uma dura em quem insistia em achar que “Pais e Filhos” era uma música festiva. Em outras palavras, ele dizia: respeitem “Pais e Filhos”, que tem um tema forte e pouco abordado no rock brasileiro: o suicídio.

Renato Russo era bom nas palavras. Em “Soldados”, “Daniel na Cova dos Leões” e “Meninos e Meninas” ele falou sobre a sua bissexualidade escancaradamente, apesar de poucos realmente terem entendido. Em “Há Tempos”, Renato comparou a tristeza com o efeito da cocaína e, após o tortuoso processo de produção em estúdio da música “Monte Castelo”, Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá choraram juntos na audição final da canção… O cara fala a língua dos anjos.

“As Quatro Estações” é o disco de cabeceira do Legião. Um álbum que levou um ano pra ficar pronto; algo pouco usual para a indústria fonográfica brasileira. Isso se deve ao fato de Renato Russo se sentir pouco inspirado e com dificuldades de criar músicas que o satisfizessem. A situação chegou a tal ponto que o líder do Legião considerou encerrar o grupo, pois segundo ele a inspiração teria chegado ao fim.

Contudo, a gravadora entendeu o momento e cedeu todo o espaço e tempo necessários para a concretização do álbum. O único que saiu prejudicado pela demora foi o produtor Mayrton Bahia, que na época atuava como freelancer e passou meses trabalhando em um projeto que nunca terminava.

Mas, como sabemos, saiu. “Quatro Estações” foi lançado e é um clássico absoluto do B. Rock, vendendo mais de dois milhões de discos.

Considerado um dos mais bem-sucedidos discos de rock já vendidos no Brasil, das 11 faixas, seis tiveram bom desempenho nas rádios. Poderia ter sido mais, não fosse o Renato Manfredini Jr, um cara que gostava de problematizar coisas simples. Ele devia ter aceitado as imperfeições, muitos detalhes que somente ele saberia que tem, como letras escritas na última hora e arranjos inconclusivos que foram improvisados… Faz parte… Eu aprendi já há um bom tempo que você não finaliza um disco, você o abandona, pois chega uma hora que o perfeccionismo passa a atrapalhar a fluidez. Quantas e quantas vezes ouvimos falar de músicas que tiveram dezenas de versões diferentes e, por fim, a que entra no disco é a segunda ou terceira versão? Muitas!

 

Enfim, nada disso consolava o perfeccionismo de Renato Russo. Eu estou economizando críticas, mas o fato é que ele era um cara muito chato. Quem ficou de saco cheio e saiu do Legião pouco antes das Quatro Estações foi o Billy, o Negrete, apelido do baixista Renato Rocha. Em uma entrevista concedida anos mais tarde, ele afirmou que foi expulso por Renato Russo quando eles saíam do elevador: “Você está fora da minha banda”. Em entrevistas posteriores, Dado Villa-Lobos revelou que os reais motivos da saída de Negrete eram os problemas pessoais do baixista com bebidas e atrasos em shows.

Dado Villa Lobos

Ou seja, a partir de “As Quatro Estações”, o Legião Urbana volta a se tornar um trio com Marcelo Bonfá na bateria e Dado Vila Lobos na guitarra. Dado é sobrinho-neto do maestro Heitor Villa Lobos, filho de diplomatas e ex-adolescente rebelde sem causa; preferia deixar os holofotes para o líder da banda:

“Eu acho um horror essa coisa de culto a celebridades, de revista Caras. Então, nunca sofri essa síndrome do astro. Eu sempre levei uma rotina normal. Assim que acabava a turnê eu vinha embora para casa e pronto, vida normal.”

Mas Dado confessa que após “Quatro Estações” algumas coisas o assustaram como, por exemplo, a vez em que ele começou a usar um colar de búzios que sua mãe lhe deu. Ele conta que, assim que chegou a um show, notou um monte de fãs com colar igual ao dele. Eles eram mais que fãs, era a Religião Urbana.

Marcelo Bonfá

Marcelo Bonfá, o baterista e célebre fundador do Legião, caiu de paraquedas no rock de Brasília. Seu pai, assim como o pai do Renato, era um funcionário do Banco do Brasil que foi transferido para o planalto central. Ele fez amizade com a galera da colina, em especial com os irmãos Lemos, que formariam o Capital Inicial no futuro e, ao lado de André Miller, montariam o Plebe Rude… estiveram envolvidos em alguns projetos punk… era 1977… explosão do punk no Reino Unido. Vocês sabem, né?

Assim como Renato Russo, Marcelo Bonfá também tinha personalidade forte, e não era raro saírem umas discussões entre as bandas. Por aí podemos imaginar que o relacionamento entre os dois deve ter sido bem cuidadoso.

E o terceiro Legionário é o nosso protagonista: Renato Russo. Antes de fundar o Legião ele integrou o Aborto Elétrico. Mas, quando saiu, devido aos constantes desentendimentos com o baterista Fê Lemos, adotou a persona de trovador solitário. Renato e o seu violão eram inseparáveis. Dessa fase surgem músicas que no futuro se tornariam notáveis.

Após curta carreira como jornalista e professor de inglês, Russo, resolveu mergulhar na música, que de fato era a atividade onde ele conseguia saciar sua ansiedade, cantando, escrevendo, se expressando e quase sempre gritando.

Antes de “Quatro Estações”, Renato protagonizou três discos de sucesso com o Legião Urbana, entre eles o álbum homônimo de 1985, “Dois”, de 1986, e “Que País É Esse”, de 1987… Após “Quatro Estações”, Renato Russo já havia moldado sua personalidade, não só entre os fãs, mas entre os empresários das gravadoras, que o detestavam.

Acho importante lembrar também que foi em 1989 que nasceu o filho de Renato, Giuliano Manfredini, mas a criança só foi registrada oficialmente como filho de Renato em 1996. Esse é um caso bem complexo também, mas o que se sabe é que, na época, a família achou que Giuliano era fruto de um relacionamento de Renato com uma modelo que havia supostamente falecido.

Quando a mãe biológica apareceu, entregou o filho para Renato que, por sua vez, deixou a criação por conta dos avós.

Giuliano Manfredini

Hoje em dia Giuliano trava, com os outros integrantes da banda, uma briga absurda pelos direitos do legado do pai. Mas, isso é assunto para um outro episódio, porque essa história é bem doida também. E para continuarmos de onde paramos, vamos voltar essa fita.

Com o sucesso do Legião, obviamente a banda já havia saído de Brasília. Era para eles morarem em São Paulo, mas a banda tinha um certo “medo” da capital paulista, principalmente devido aos confrontos de gangues da época. Com seus discursos antifascistas, Renato foi confrontado foi algumas vezes por skinheads, punks, metaleiros… Não que esses grupos concordassem uns com os outros. Pelo contrário. Mas o fato é que o pau comia. Clemente, vocalista dos “Inocentes”, conta que livrou o Legião de tomar porrada algumas vezes, até porque, queira ou não, os caras eram vistos como intrusos: como assim, saiu de Brasília e veio tocar punk para os radicais da rua Augusta?

Então, Renato acabou se identificando mais com o Rio de Janeiro, que ele considerava um lugar “mais família”, e a banda ficou por lá. Abro aspas para o fato de que Renato era um cara muito sagaz e inteligente, mas após ficar bêbado… eram poucos os colegas que conseguiam entender aquela mudança brusca de personalidade. Sendo assim, a tendência era ele estar quase sempre sozinho.

Renato nunca deixou de se sentir só, mesmo quando estava com a banda. Sobre esse tema escreveu muitas músicas. Dado lembra que os shows no Nordeste eram os piores, porque enquanto a banda e a equipe saíam pra curtir a praia, ele se trancava no hotel e ficava insuportável.
Outro detalhe é que após “Quatro Estações”, Renato já não conseguia mais esconder sua homossexualidade e sentia uma necessidade enorme de se assumir. Apesar de já ter deixado isso subentendido em algumas letras, ele só foi assumir isso publicamente em 1990, em uma Entrevista para a revista BIZZ. Vale lembrar que além do já tradicional preconceito da época, havia também o vírus HIV, que causava a Aids e, na época, era relacionada a classe LGBT.

Inclusive no “Quatro Estações” tem uma canção emblemática sobre isso, cantada em inglês, chamada “Feedback Song for a Dying Friend”. Ela foi feita como uma homenagem de Renato a Cazuza, pois foi escrita na mesma época em que o ex-vocalista do Barão Vermelho anunciou ser portador do vírus HIV.

É bem foda lembrar disso porque, poucos meses após o lançamento de Quatro Estações, Renato iria descobrir que também era portador do vírus. A partir daí temos uma reviravolta na vida já bastante caótica do líder da Legião Urbana.

Entenda que, no final da década de 80, havia o discurso de que a AIDS mata e ela vai te pegar. Vinha com ênfase aos jovens e claro propósito de causar medo. O problema era que isso desinformava e agravava o preconceito contra a comunidade LGBT. Cazuza declarou ser soropositivo em fevereiro de 1989. Foi uma revolução… E no dia 7 de julho de 1990, pouco mais de 1 ano depois, ele morreu. Estima-se que Cazuza tenha contraído o vírus em 1987, mas o curto período entre tornar a doença pública e a sua morte causou ainda mais pânico.

Renato descobriu que estava com HIV após o fim de uma série de shows, quando ele precisou ser internado devido a questões de alcoolismo e drogas. Nessa clínica foram feitos exames onde constataram o vírus. Segundo Dado, eles foram buscar os resultados e descobriram que Renato era soropositivo. Quando o médico confirmou e conversou com Renato, a lembrança de Dado é de que o vocalista teria reagido com otimismo. Então, o primeiro passo foi convocar uma reunião com os empresários e representantes da gravadora para combinar manter o sigilo.

Há um certo mistério acerca de como Renato Russo teria contraído HIV. A versão mais difundida é a de que ele tinha um namorado em Nova York chamado Robert Scott, que viveu um tempo com ele no Brasil. Antes de voltar para o os EUA, os dois teriam usado heroína juntos, dividindo a agulha e assim teria ocorrido a transmissão. O fato é que Renato nunca assumiu publicamente a doença e, quando perguntado por um jornalista se era soropositivo, ele negou!

O próximo álbum e quinto da banda foi V, simbolizado pelo número 5 em romano, e lançado no dia 15 de novembro de 1991. Duas situações são historicamente marcantes nesse período: a crise econômica causada pelo plano Collor e a Aids, que inclusive foi o motivo da morte de Freddy Mercury, vocalista do Queen, naquele mesmo mês de novembro de 1991.

Sob esse véu de tristeza, o disco cinco chegava às lojas repleto de temas melancólicos. Nem teria como ser diferente…

Eu lembro que na época não gostei desse disco, não. Acho que porque era muito baladinha… Eu estava numa vibe punk, grunge… Fato é que tanto eu quanto a imensa maioria de fãs não fazíamos ideia das angústias pelas quais a banda passava. O plano Collor piorou a inflação e causou danos graves na indústria fonográfica, pois tirou o poder aquisitivo da população. A única forma de levantar uma grana era através dos shows. Mas, como, se Renato Russo precisa ser constantemente internado nas clínicas de reabilitação?!

Legião estava em crise…

Pela primeira vez, a banda não utilizou os estúdios da EMI-Odeon. Em vez disso, optaram pela Estúdio Mega, também no Rio de Janeiro, onde não tinham exclusividade e não podiam ficar pelo tempo que quisessem. Também mantiveram o baixista de apoio, Bruno Araújo, que já os acompanhava desde a turnê anterior. Mas, houve problemas porque Bruno, um músico virtuoso, teve dificuldades em registrar a simplicidade do Legião. E a gente sabe que ser simples nem sempre é fácil.

O produtor musical novamente foi Mayrton Bahia, mas ele era contratado fixo na gravadora concorrente e teve que fazer a produção do Legião nas horas vagas. Esse também foi um dos motivos da mudança de estúdio. Foi Mayrton que convenceu Renato a trocar seu teclado Roland retrô por outros modelos, de modo a produzir novas sonoridades no Legião.

Alguns críticos acabaram rotulando V como um disco de rock progressivo. Principalmente por causa de “Metal Contra as Nuvens”, que tinha incríveis 11 minutos de duração. Indagado, Renato afirmou em uma entrevista: “o que a gente quis passar para o V era um tédio e um marasmo. Aquele disco foi feito lento de propósito”.

Muitos consideram o disco melancólico, mas Renato jamais admitiu esse termo. Ele dizia que as melodias lentas levavam ao falso entendimento de que as letras eram melancólicas. Ele, que as escreveu, defendia que não era um disco pra cima. E repetidamente cita a alegre “O Mundo Anda Tão Complicado”.

A primeira faixa, “Love Song”, é uma cantiga de amor em português arcaico, composta no século XIII por Nuno Fernandes Torneol. “A Ordem dos Templários”, uma faixa instrumental inclui a peça do século XIV, que seria uma homenagem aos cavaleiros que protegiam os cristãos nos tempos das Cruzadas. Os caras estavam numa vibe medieval que não agradou muito aos fãs. Segundo Renato Russo, o grande sucesso desse disco, a música “Teatro dos Vampiros”, cuja siglas iniciais são TV, é uma crítica à televisão.

A banda ainda enfrentou conflitos com Jorge Davidson, diretor artístico nacional da EMI-Odeon. porque Jorge insistia para que gravassem um dos shows da turnê anterior. Apesar da banda não dar muita bola, acabaram gravando. No futuro, quando a banda pediu o material, Jorge negou por birra e Renato Russo ficou furioso com o fato. Isso porque após o lançamento de 5, muitos shows da turnê de divulgação precisaram ser cancelados devido à instabilidade emocional de Renato Russo. Claro, também devido ao vício. Sem lucrar devido às baixas vendas de 5, eles queriam lançar o ao vivo. Mas a gravadora, ao invés do ao vivo, preferia lançar uma coletânea. Daí era só treta, porque Renato e os demais integrantes achavam que a coletânea era uma forma desonesta de lucrar. Sem shows e num pé de guerra com a gravadora, a duras penas concordaram em lançar um disco com versões ao vivo chamado “Música Para Acampamento” de 1992.

Essa versão de Fábrica é arrepiante. Muitos conheceram o Legião Urbana nesse disco, que é um catado de versões ao vivo e registros feitos em programas de rádio. O que realmente motivou esse lançamento foi o fracasso da turnê de 5. A banda conseguiu executar apenas 15 shows da agenda total. E o lançamento do disco ao vivo acabou por se tornar uma forma de equilibras as finanças. Mas em “Música para Acampamento”, encontramos também a inédita “Canção do Senhor da Guerra”, e a versão que consta no disco foi gravada inteiramente por Renato Russo, que tocou todos os instrumentos em cima de uma bateria eletrônica.

Mas, voltando: por que 5 soa tão melancólico? Segundo Renato, é porque as músicas surgiam das bases que eram criadas por Bonfá e Dado. Eles, sim, estavam pessimistas devido ao HIV do vocalista. Entenda que o processo de composição do Legião era primeiro o instrumental, e por fim a letra. Além disso, Renato culpa muito o momento político, com a decepção do primeiro presidente democraticamente eleito. Legião é uma banda politizada. A preocupação com o social é uma marca registrada e está presente em várias canções. Como eu disse, Renato Russo nega a melancolia de 5, mas no próximo disco, que foi o “Descobrimento do Brasil” ele assume, em parte, que isso aconteceu.

Eu assisti muitas entrevistas do Renato Russo. É incrível como ele começa falando de um assunto e acaba falando de outro. Sua mente era muito rápida e a necessidade de defender sua obra fica quase sempre em primeiro lugar. Ele afirmou que aquele Legião da rebeldia, o Legião que conversava com adolescentes, acabou quando lançaram “Música para Acampamento”. Esse seria o fim de um ciclo. O que veio daí pra frente foi simplesmente o amadurecimento de um grupo de pessoas que, em comum, não se identificavam mais com as atitudes transgressoras justificadas pelo anarquismo, que foi o pavio disso tudo.

O sexto álbum de estúdio do Legião Urbana foi lançado em 1993 pela EMI-Odeon. No Brasil, foram vendidos mais 950 mil cópias, um número bem aquém dos demais discos. Mas é aqui que tem uma das mais belas canções do legião na minha opinião: “Giz”.

Sabe quando você conta seus problemas para um amigo que não vê já há um tempo, só porque ele te cumprimentou perguntando retoricamente “como vai?”. Eu adoro essa canção.

Mas com Renato, nada estava bem, e ele conseguia expelir sua dor.

“O Descobrimento do Brasil” não teve a participação de Jorge Davidson como diretor artístico, devido aos desentendimentos anteriores. Em seu lugar a EMI contratou João Augusto.

Na época, a EMI havia vendido sua fábrica de discos e agora terceirizava a produção na concorrente PolyGram. Por coincidência, o produtor e amigo da banda Mayrton Bahia trabalhava lá e soube que a EMI tinha a intenção de lançar uma coletânea do Legião, sem o consentimento da banda. Furiosos, Dado, Bonfá e Renato picharam as paredes da diretoria da empresa com frases do tipo “Vocês nos tratam como lixo! Nunca mais vocês vão fazer isso!” Bem radicais, como todo punk deveria ser.

Depois da atitude eles ficaram meio preocupados e, sem saber das consequências do ato, suspenderam as sessões de “O Descobrimento do Brasil”, até que a gravadora sinalizasse algo. No fim, o disco foi retomado e a ideia de coletânea abandonada pela gravadora. Podemos dizer que a rebeldia venceu.

As gravações desse álbum foram até que rápidas. Em outubro de 1993, dois meses depois do início, já estava tudo gravado. O Legião experimentou novos instrumentos, além de dividirem a execução de seus próprios instrumentos. Bonfá tocou teclados, enquanto Dado experimentou o dobro e o bandolim e Renato registrou uma performance na cítara. Uma grande curiosidade sobre esse disco é que o Legião foi uma das primeiras bandas brasileiras a usar técnicas digitais para corrigir as imperfeições das gravações.

Renato tinha sérios problemas em assumir a fase melancólica e, para dar um ar de leveza, de que “estava tudo bem”, a capa de “O Descobrimento do Brasil” foi feita em um campo florido, montado especialmente para o momento, com cada um vestindo uma roupa diferente: Renato aparece como um cavaleiro medieval, Dado como um caçador com um bandolim e Marcelo como um camponês. A música de trabalho foi “Perfeição” e a banda, que era resistente aos vídeo clipes, usou o mesmo cenário para filmar as cenas para MTV. Lançaram o clipe, mas isso nunca mais se repetiu.

O Descobrimento do Brasil teve vendas razoáveis. Conquistou platina tripla e, com Renato recuperado das drogas, o Legião mais uma vez saiu em Turnê. Aliás, essa foi a última Turnê.

Segundo o empresário Rafael Borges, Renato “queria e não queria fazer shows”. Na época, ele achava que nunca entregava o seu melhor no palco e encanou que a plateia lhe dava mais do que recebia.

O último show do Legião Urbana se deu no palco do Reggae Night, em Santos. Eventualmente, latas começaram a ser arremessadas na banda. Dizem que Renato foi atingido por uma dessas latas e ele se deitou no chão, em forma de protesto. Cantou as músicas assim, deitado, e o público não conseguia vê-lo. Mas o grande show dessa turnê foi mesmo o do Metropolitan, gravado pela Band e que veio a tornar-se uma homenagem póstuma ao Renato Russo. Baita registro e tem no YouTube.

Bom, foi isso… Quem viu o Legião, viu, porque depois disso eles decidiram que não se apresentariam mais ao vivo. Dessa fase, Dado revelaria futuramente um conflito entre os integrantes que havia se agravado, pois Renato passou a sentir que seu quadro de saúde estava piorando. Isso o irritou muito, pois também estava prejudicando suas performances. Definitivamente o otimismo havia acabado junto com a turnê de “O Descobrimento do Brasil”.

Falar em morte é complicado, mas saber que você vai morrer porque tem uma doença incurável deve ser muito mais complicado. Assim como Freddy Mercury, Renato Russo dedicou-se intensivamente a compor dia a dia. Ele queria deixar o maior legado possível, mas sabia que tinha pouco tempo.

No mesmo ano, 1994, Renato lançou seu primeiro disco solo: “The Stonewall Celebration Concert”, um álbum interpretado totalmente em inglês. E foi totalmente gravado digitalmente em computador, um dos primeiros do mercado brasileiro. Atingiu rapidamente a marca de 250 mil cópias. Ouve essa aqui…

Você lembrou de uma versão dessa música aí em português, né? Pois, é. “Cathedral Song” é uma música da cantora alemã Tanika Tikaran, até então desconhecida para o público brasileiro. Renato acreditava que só ele conhecia essa música, mas foi surpreendido quando Zélia Duncan, no mesmo ano, lançou a versão em português que todos conhecemos.

Betinho

Esse disco solo de Renato Russo é uma homenagem aos vinte cinco anos da Rebelião de Stonewall em Nova Iorque, e parte dos royalties foi doada para ONG de Herbert de Souza, que encabeçava ações contra a miséria e a fome. Detalhe, Betinho, como era conhecido, também era soropositivo e morreu em 1997.

A capa do disco homenageia Rock ‘n’ Roll, de John Lennon, e mostra Renato na porta do prédio onde ele morava, na Rua Nascimento Silva. O número do edifício foi removido durante o tratamento da imagem para preservar a privacidade do músico. O final do encarte traz informações sobre entidades sociais de proteção às crianças e mulheres, à natureza e principalmente aos homossexuais e portadores do HIV. Eu acho que Renato teria feito muito mais se tivesse assumido sua condição na época, mas não o julgo por não ter feito.

Ele só queria compor, então, logo no ano seguinte, 1995, Renato Russo lança seu segundo disco solo, “Equilíbrio Distante”, um megassucesso de vendas, esse é aquele disco de músicas italianas.

Segundo os biógrafos de Renato Russo, essa fase retrata os piores momentos do cantor no que diz sentido à sua condição irreversível. Costuma-se criticar as gravadoras, que viveram seu auge aqui no Brasil nos anos 80 e 90, principalmente por causa da insistente busca por lucro, muitas vezes dando mais valor a isso do que à arte em si.

Mas, justiça seja feita, Renato, quando apresentou à EMI sua proposta de um disco Italiano, ganhou uma viagem para Itália paga pela gravadora com a intenção de que o cantor se aprofundasse nas pesquisas para esse disco. Claro, foi também um investimento, mas essa viagem ajudou a tirar Renato de dentro de casa por alguns dias. Ele foi junto com Gilda Matosso, importante assessora de artistas que trabalhou com Cazuza, Gilberto Gil, Caetano, entre outros. Renato, passou 4 dias em Roma e 4 dias em Milão. Na ocasião aproveitou para conseguir sua cidadania Italiana e descobriu que sua família não vinha de uma linhagem de nobres e, sim, de camponeses de origem humilde.

Na viagem, Renato se encontrou com muitos músicos Italianos. Laura Pausini, por exemplo, foi revelada ao público brasileiro por ele. Para você ter uma ideia, Renato Russo voltou ao Brasil com 200 discos italianos, que seriam desvendados por ele para, assim, criar o seu repertório italiano. “La Solitude” foi o grande sucesso desse disco.

Renato achava que seu estilo de cantar combinava com a língua italiana e, é claro, foi taxado de brega pelos críticos musicais, principalmente os que tinham uma vertente mais Rock. Problemas de gravação? Teve também, como não! O produtor Carlos Trilha lembra da imprevisibilidade de Renato que, desacostumado com aquele tipo de música (comparado ao que fazia na Legião Urbana), ficou muito estressado. Ele abandonou o estúdio várias vezes e tudo não passava de insegurança, principalmente por conta do sotaque que ele acreditava ter. Para contornar isso, fez aulas particulares de italiano.

A capa do disco é uma colagem de desenhos do filho, Juliano Manfredini. Como é sabido, logo no lançamento, “Equilíbrio Distante” teve uma ótima aceitação, superando em pouco tempo a marca de 1 milhão de cópias vendidas.

Em questões pessoais, o disco Italiano também foi muito importante para o momento que Renato vivia, pois o ocupou e principalmente o desafiou como artista. Apenas 2 meses após esse lançamento, Renato voltou ao estúdio. Dessa vez para a gravação do seu último disco com o Legião: “A Tempestade”.

“A Tempestade ou O Livro dos Dias” foi gravado em meio a uma recaída de Renato Russo, que voltou a beber. Só lembrando que o disco anterior (O Descobrimento do Brasil) ele havia gravado totalmente limpo de drogas e álcool.

Dado havia lançado a sua gravadora Rockit e estava bastante ocupado, Bonfá, estava remasterizando os discos da primeira fase do Legião, que seriam lançados no Box denominado “Por enquanto”.

“A Tempestade” foi gravada no AR Estúdios, na Barra da Tijuca. A banda teve um desentendimento com o local assim que iniciaram os trabalhos, pois descobriram que as instalações não haviam sido reservadas exclusivamente para eles. Renato fez disso mais um motivo para não acompanhar as gravações, pois já estava bastante magro e debilitado, e não queria ser visto assim, muito menos fotografado assim.
A banda rejeitou o uso de Pro Tolls nesse disco, fato que veio a deixar a gravação ainda mais demorada.

Inicialmente a banda pensou em um álbum duplo, mas Renato vetou, pois temia um preço final muito elevado para os fãs. Os outros dois integrantes acabaram aceitando lançar um LP simples, principalmente quando perceberam que seu colega talvez não viveria para ver o lançamento daquele disco.

Renato Russo estava tão mal que ele não conseguiu voltar ao estúdio para regravar a voz. O que ouvimos no disco é a guia que ele gravou logo no começo da produção. “Via Láctea” é uma música que faz o retrato perfeito desse momento extremamente triste. Esse é o único disco da banda em que não consta a frase “Urbana Legio Omnia Vincit”, em latim, ou seja, “Legião Urbana vence tudo”.

“A tempestade” superou 1 milhão de cópias vendidas e tornou-se um dos discos mais vendidos de 1996 e um dos mais vendidos da banda. Isso aconteceu porque foi lançado no dia 20 de setembro de 1996 e Renato Russo faleceu no mês seguinte, naquela triste sexta feira do dia 11 de outubro.

E foi assim, com uma nota curta no jornal, que tudo estava morto e enterrado, restando apenas o lamento dos fãs do Legião… Eu sei que tem muita gente que detesta Legião. É uma banda que consegue dividir pessoas entre o amor e o ódio. Mas, eu sou da turma do amor. Eu adorava Legião. Com certeza Renato Russo faz parte da minha adolescência e, consequentemente, da minha vida.

Acho difícil alguém que viveu esses anos 90 não ter se envolvido com essas músicas de alguma forma. E sobre a morte de Renato Russo, ele levou tão a sério o lance de esconder sua doença que nem sequer a sua mãe sabia o real motivo da sua morte. Ela deu uma entrevista falando que o filho morreu de Anorexia Nervosa.

Após algumas horas o médico que estava à frente do caso confirmou que a morte do líder do Legião Urbana aconteceu por consequência da AIDS: que agravou doença pulmonar obstrutiva crônica, septicemia e infecção urinária.

O que nos resta é saudade e ouvir muito Renato Russo. Vale lembrar também que a banda lançou alguns discos de sobras depois da morte de Renato Russo, mas sem muita relevância para ser citado aqui. Para você que acompanha nosso podcast e pode ter notado que dessa vez não tivemos uma música tema, justifico que não me senti à vontade para voltar na linha do tempo e falar sobre “Faroeste Caboclo”, que é a música sobre a qual eu prometi falar no primeiro episódio que fizemos sobre Legião. Quem sabe um dia. Essa história também é sensacional não será contada por aqui… Quem sabe? Só depende de vocês, ouvintes sensíveis do Clube, que nos apoiam nessa missão.

Essa é a sexta temporada do Clube, a Temporada das Continuações. Hoje encerramos a intensa saga da Legião Urbana. Reitero que, se você vê valor no que fazemos, considere ser um sócio desse Clube.

Foi um prazer falar de música com você e até a próxima!

Gilson de Lazari

Se você gostou do Clube da Música Autoral, seja um sócio. Acesse: clubedamusicaautoral.com.br/assine e confira as vantagens que você recebe em troca do seu apoio.

Se você quiser, também pode nos ajudar fazendo um PIX. Utilize nosso email como chave: clubedamusicaautoral@gmail.com Qualquer valor é bem-vindo.

 

Roteiro e locução: Gilson de Lazari

Revisão: Camilla Spinola e Gus Ferroni

Arte da vitrine: Patrick Lima

Edição de áudio: Rogério Silva

 

Assine

Apple Podcasts
Google Podcasts
Spotify
Deezer
Amazon Music
Castbox
Podcast Addict
Pocket Casts
RSS
Ver Mais Opções

 

Fale Conosco

Facebook
Twitter
Instagram
WhatsApp
Telegram

Se preferir, escreva um comentário, ou envie um email para: clubedamusicaautoral@gmail.com

 

Playlists

Quer ouvir as músicas que tocaram neste episódio?

Confira a playlist no Spotify, no Deezer, ou no YouTube.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *